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Arquivos mensais: Fevereiro 2010

Agonia

Balança-se na cadeira em movimentos descontrolados. É prisioneira de si, dum cativeiro edificado com as células mortas do seu corpo. Da sua farta e linda cabeleira loira restam agora umas penugens grisalhas. As mãos esguias e elegantes, agora esqueléticas, pendem apoiadas nos braços da cadeira, quase inertes… Aqueles que outrora se chamaram de lábios e que ecoaram o seu imenso amor pela vida, hoje libertam sons imperceptíveis, angustiantes. Consciente, por vezes, da sua ruína, nos momentos (parcos) que lhe restam de lucidez, amaldiçoa o presente envenenado que lhe retribuíra a vida, apenas e só apenas, porque tivera a “ousadia” de existir, facto que nem sequer lhe era imputado. Volta e meia, alucina. Não sabe quem é, quem são aqueles que a rodeiam, nem ele… a ele deixou de reconhecer. A ele a quem devia toda a sua existência. A ele, aquele que fez dela uma rainha. Que a coroara com o seu eterno amor, a sua dedicação, o seu corpo, a sua alma, todo o seu ser ao longo de tantos anos de coexistência, partilha e cumplicidade.

Ele, hoje, está perdido. Lutara com todas as suas forças. Desafiara a natureza humana na ânsia de a fazer agarrar a vida, receoso de a perder… Não venceu esta luta desigual. Quem era ele, afinal? Um simples mortal incapaz de travar a evolução galopante da deterioração. Perdeu a esperança. E a esperança era a estrutura da sua força interior. Agora arrasta-se pelos corredores. Não sabe viver sem ela. Está perdido de si mesmo. Vive na ressaca dum grande amor que fora arrancado do seu peito. Chora. Hoje chora sem saber porquê. Tudo nele se desmoronou. Nada, agora, faz sentido sem ela. Não sabe se lhe doeria mais a sua perda se a sua presença ausente. Olha-a. Continua a olhá-la como sempre o fizera mas, já não se revê no seu olhar. Recolheu-se ao silêncio da sua alma. Já não reclama, não pede, não retorque, não quer, não deseja, não luta… deixa-se ir com ela… a p a g o u – s e…

 
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Publicado por em Fevereiro 28, 2010 em Carla

 

E de novo a armadilha dos abraços

E de novo a armadilha dos abraços.
E de novo o enredo das delícias.
O rouco da garganta, os pés descalços
a pele alucinada de carícias.

As preces, os segredos, as risadas
no altar esplendoroso das ofertas.
De novo beijo a beijo as madrugadas
de novo seio a seio as descobertas.

Alcandorada no teu corpo imenso
teço um colar de gritos e silêncios
a ecoar no som dos precipícios.

E tudo o que me dás eu te devolvo.
E fazemos de novo, sempre novo
o amor total dos deuses e dos bichos.

 
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Publicado por em Fevereiro 16, 2010 em Poesia, Rosa Lobato de Faria